Juliana Paes adorava os clássicos com os primos rubro-negros. "Vivi muito a minha infância. Joguei futebol, soltei pipa, brinquei de Barbie e videogame. Tentei até futebol de botão, mas não conseguia empurrar direito o botão. Sempre tive um jeito de moleca. Meu pai queria um menino' (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
O sol a pino dava mais vida e esquentava como nunca o bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo, município vizinho de Niterói, no Estado do Rio, numa tarde de verão em 1988. Na Rua Rio Grande do Sul, nova pelada entre tantas divertia a garotada de uma certa família Paes no período de férias escolares. Num Flamengo x Vasco bem descontraído, mas com a habitual rivalidade, uma das pequenas do grupo era a vascaína Juliana. Já com seus cabelos longos, jeito de moleca, de shortinho e camiseta, a menina, escolhida como sempre para atuar no gol - "lugar de 'mulher' é lá", diziam os garotos -, não fazia feio. De forma surpreendente, acabava de se jogar no chão para defesa "arrojada", após tabelinha dos primos rubro-negros Cristiano e Anderson.
A cena de contentamento da menina, repetida tantas vezes na infância, ajudou a criar o laço com o clube de coração. A constante ida aos estádios com o pai, o militar reformado Carlos Henrique Paes, também foi decisiva para a cruz de malta ocupar o coração daquela que, anos depois, arrebataria com o mesmo sorriso dos tempos do futebol no Zé Garoto milhões de brasileiros diante da TV. Os anos se passaram. E a "Suderj informa": saiu a "goleira" mirim, entrou a atriz.
Longe das câmeras, na novela real do futebol, Juliana Paes viveu dois capítulos emocionantes. No primeiro, foi a solidária ao ajudar, com o pai, dois deficientes visuais na final do Brasileiro de 2000. A partida durou apenas 23 minutos por conta da queda de um alambrado em São Januário que deixou 168 feridos. No segundo capítulo, solitária em casa na recente final da Copa do Brasil, abandonou o papel de torcedora no momento máximo, da comemoração do título, para desempenhar o mais sublime de mulher, o da mãe amamentando um filho...
A Julliana solidária entrou em ação no fim de 2000. Depois do Natal, perto do réveillon. Em 30 de dezembro, Vasco e São Caetano jogavam a segunda partida - a primeira, em São Paulo, terminou 1 a 1 - da decisão do Campeonato Brasileiro. Na época, a atriz fazia o papel na TV que lhe abriria portas, a Ritinha, de "Laços de família". Mas ainda não estourara na mídia, e pôde ir tranquilamente a São Januário na companhia do pai, fiel companheiro nas belas tardes de domingo. Os dois estavam ansiosos por presenciar a conquista do título. O resto da torcida também. Dez dias antes, o time, comandado por Romário, Juninho & Cia., tinha sido campeão da Copa Mercosul numa virada espetacular por 4 a 3 sobre o Palmeiras, no Palestra Itália...
Mas o caldeirão da Colina não suportou os quase 40 mil torcedores. Com superlotação e briga na arquibancada, o alambrado acabou derrubado. Pessoas foram pisoteadas, muitos ficaram feridos no empurra-empurra e invadiram o gramado. Em meio ao pânico geral que se instalou, Juliana e Carlos, ainda atônitos, se depararam com outra cena atípica e agiram rápido.
- Naquele tumulto, percebemos que do nosso lado havia dois cegos no estádio. Ficamos impressionados com aquilo. O que estavam fazendo lá?... Eles disseram que queriam sentir a energia no estádio... Foi muito tocante. Quisemos logo ajudá-los naquela confusão toda. Nessa hora, cada um quer saber de si. Mas eu e meu pai nos preocupamos com eles, levamos os dois para fora até que estivessem em segurança. O jogo se tornou inesquecível pelas circunstâncias. Saímos com eles conversando. Só sei que o assunto no carro depois era o perigo que eles passaram. Se não fosse a gente ali, poderia ter acontecido alguma coisa pior - disse a atriz, durante a gravação de "As brasileiras", série que irá ao ar brevemente na TV Globo.
Mãe 1 x 0 torcedora
A frustração de não ver a partida terminar deu lugar ao dever cumprido após o grande susto. Apenas em 18 de janeiro, quando a partida voltou a ser realizada, só que no Maracanã, Juliana e Carlos puderam comemorar o tetra brasileiro após a vitória por 3 a 1 - gols do "Reizinho" Juninho, Jorginho Paulista e Romário, com Adãozinho descontando para o time paulista. Mas foi a partir do jogo anterior, aquele sem fim em São Januário, que a história de Juliana com o Vasco passaria a remeter mais à infância. Dois anos depois, a atriz, que já tinha aparecido na telinha novamente com a Karla de "O clone" em 2001, se tornou estrela nacional interpretando a Jaqueline Joy de "Celebridade". E o Vasco levantava o que era, até pouco tempo atrás, seu último título em oito anos, o Campeonato Carioca de 2003.
- Aquela foi a última vez que eu fui a um jogo. Depois, nunca mais. As pessoas em minha volta, acho que por medo, nunca mais quiseram me levar. É receio de assédio mesmo. Minhas irmãs já foram, fizeram foto com o Felipe... Teve um agora que eu fiquei enchendo o Dudu para me levar. Foi a final da Taça Rio, contra o Flamengo. Pedi muito para ir. Mas ele foi e não quis me levar. Fica com medo de acontecer alguma coisa.
Dudu é o marido, o empresário Carlos Eduardo Baptista, companheiro de oito anos, com quem a atriz está casada há quase três. O casal tem um filho, Pedro, de seis meses. Sócio de Léo Rabello, agente que atua no futebol há muitos anos, Carlos Eduardo cuida diretamente das carreiras do meia rubro-negro Thiago Neves e do atacante vascaíno Bernardo. Aí começa o segundo capítulo marcante da vascaína Juliana Paes.
- Ele estava lá em Curitiba nessa final da Copa do Brasil do Vasco com o Coritiba. Foi acompanhar o Bernardo. Dudu lá e eu aqui, sozinha. Só eu e o Pedro em casa, sem babá nem nada... Fiquei no Twitter. Botei o Pedro pra dormir, o jogo começou tarde. O meu computador fica do lado da televisão. Então, via a partida e twittava, brincando. "Ai, meu Deus, ai meu Deus..." Quando faltavam 10 minutos para acabar, a babá eletrônica ligada, ele começou a chorar. Meu Deus, vou acudir o Pedro ou ver o jogo? Aí ele começou a gritar mesmo e eu fui dar de mamar. No momento em que amamentava, o juiz apitou, nem pude vibrar. Estavam começando os fogos, eu doida pra ir para a varanda, o grito entalado na garganta... Foi a comemoração mais solitária e silenciosa de toda a minha vida.
Juliana lembra que, logo depois, o marido rubro-negro ligou chorando, emocionado com o título do Vasco após a derrota por 3 a 2 - o cruz-maltino vencera a anterior, no Rio, por 1 a 0.
- Foi a primeira vez que eu não comemorei, a primeira vez com o Pedro... O Dudu me ligou e ainda brinquei com ele: "Pô, você está mais emocionado com o Vasco do que com o Flamengo." Ele disse: "Eu estou mais emocionado com os meus jogadores." Nunca mais vou esquecer esse dia. Nem podia chacoalhar muito o Pedro, que estava mamando...
A brincadeira com o Flamengo é antiga. Afinal, o clássico divide, de forma saborosa, a família não só nas peladas. Em dia de jogo à vera, a gritaria tomava conta da casa. Do lado rubro-negro, a mãe, Regina, a prima Elane, os primos Cristiano e Anderson e a tia Neném. Do vascaíno, Juliana, o pai e os irmãos mais novos, Rosana, Mariana e Carlos Henrique Júnior (esse, o mais fanático). Só não se sabe ainda para que lado irá o mais novo integrante da família. A atriz tem receio de que Pedro reforce o "ataque" vermelho e preto...
- Passei a ser Vasco por influência do meu pai. Minha mãe é flamenguista. O pai tem mais força por causa disso. Você catequiza o filho assim, levando-o para o estádio, para ver o jogo. Aí é que se apaixona, começa a curtir. Eu aprendi o hino do Vasco criança. Papai que me ensinava. A gente ia aos jogos. Era um tempo muito bacana de ir. E a gente era criança mesmo. Tanto que eles levavam a gente na "carcunda". Éramos muito pequenos, não dava para sairmos correndo, não tinha perninha pra isso. Quatro anos, três anos, papai levava a gente. Isso vai deixando você apaixonada por futebol, pelo espetáculo.
Carlos tem até anotada a data em que levou a filha pela primeira vez a um estádio de futebol: 22 de agosto de 1982. A partida foi contra o América. O Vasco venceu por 2 a 1. Mas os cruz-maltinos quase perderam a torcedora ilustre.
- Os olhos da Juliana brilhavam. Era muito novinha. Estava impressionada com o tamanho do estádio e com o uniforme do América. Adorou a camisa vermelha. Ainda por cima, como conhecia o Luisinho Lemos, atacante do América, que é meu amigo de muitos anos, ficou triste com a vitória do Vasco. Queria o empate por causa do Luisinho... - afirmou Carlos, durante sessão de fotos na casa da filha, no Recreio dos Bandeirantes.
Drama e superação
O futebol, queira ou não, está sempre presente na vida de Juliana Paes. Para o bem ou para o mal. O capítulo triste surgiu há 20 anos. Numa pelada com amigos, o pai da atriz sofreu traumatismo craniano após choque numa jogada aérea com um amigo. A cabeçada na nuca que Carlos Henrique Paes recebeu provocou deslocamento da massa encefálica e três coágulos no cérebro. O ex-militar ficou em coma por uma semana. A família temeu por sequelas. Mas, com o tempo, os coágulos se dissolveram, e Carlos Henrique se recuperou.
.- A nossa vida é antes e depois desse acidente. Meu pai perdeu emprego... Melhor dizendo, ficou muito tempo afastado. Era diretor de uma empresa de segurança. Tinha um cargo muito bom, estávamos numa situação ótima, morávamos na Praia de Icaraí, tínhamos até motorista. Só que, como ficou muito tempo afastado, quando viu, já não tinha mais cargo, mais nada. Ficamos a ver navios. Aí, depois de um tempo, demorou para se recuperar. Foi mais de um ano. Não chegou a fazer fono e nem precisou de cirurgia. Éramos crianças. Com tudo negativo que aconteceu, após esse acidente, aprendi que existe milagre.
A família deu a volta por cima. Especialmente Juliana, que abraçou a carreira e viveu outras vidas na ficção, seja na TV ou no cinema. Creusa, em "América", Guinevere, em "Pé na jaca", Maíra, em "A favorita", Maya, em "Caminho das Índias", e Dolores Sol, em "A casa da mãe Joana", aumentaram o reconhecimento profissional e também do público. Atriz e modelo formada em publicidade, foi garota-propaganda de várias campanhas de sucesso. Apresentou programa no GNT Antes, em 2006, sua beleza a colocou no topo das 100 mais sensuais do mundo, segundo a revista americana "People". No Brasil, ganhou eleição, em outra revista, de mais sexy do planeta por duas vezes.
No samba, foi madrinha de bateria da Viradouro, escola de coração, durante anos. O fascínio surgiu quando, também menina, acompanhada do pai, assistiu ao desfile e viu uma passista sair com o pé sangrando, voltando para o recuo.
- Achei aquilo incrível, ela dando o sangue pela escola... Quando você é criança, vê tudo maior. Até pela pouca experiência de vida. Parecia que os carros tinham 15 metros. Aí me apaixonei pelo carnaval.
Ausente dos últimos desfiles, Juliana não sabe ainda quando voltará à avenida. Aos estádios, o retorno pode ser breve. Dois amigos de seu pai no Vasco, o vice de futebol, José Mandarino, e o diretor Renato Moraes já a convidaram para ir a São Januário matar a saudade do time e da torcida. Será mais um capítulo feliz de Juliana com o Vasco. Bem como nos tempos de menina, no bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo.
créditos: GloboEsporte.com